Referência de modernidade

Como o Banco Plataforma de 1947 de George Nelson passou de uma peça coadjuvante à protagonista


Escrito por: Sarah Archer

Anúncio com gráficos arrojados em cinza e vermelho na forma do assento do banco Nelson, à esquerda de um texto promocional e uma imagem de um banco Nelson em ângulo apoiando pequenos objetos decorativos.

Em meados da década de 1940, as pessoas dentro e fora dos escritórios da revista Fortune em Nova York já estavam fartas do Revival Colonial. Em 1946, o escritor Eric Hodgins publicou o conto irônico “Lar, Meu Tormento” em suas páginas, contando a história de um casal abastado de Manhattan que se muda para a zona rural de Connecticut com suas duas filhas na esperança de cultivar uma vida bucólica e tranquila. Em vez disso, eles só encontram dores de cabeça, problemas estruturais e processos judiciais. (No filme de 1948, que foi baseado na versão romance da história de Hodgins, o pai é interpretado pelo ator Cary Grant com uma perfeição exasperada.)

Apenas alguns anos antes, segundo reza a lenda, o polímata modernista George Nelson (1908-1986) projetou um banco elegante e esguio para seu escritório da Fortune com a ideia de que sua falta de detalhes encorajaria os visitantes a se fazerem entender rapidamente e logo irem embora. Se essa história é realmente verdadeira, o Banco Plataforma Nelson ocupa uma posição privilegiada na história da própria Herman Miller, tanto por ser uma peça indispensável do mobiliário doméstico, quanto por ajudar a contar a história de como a empresa reimaginou radicalmente a paisagem doméstica no pós-guerra em meados do século XX.

Uma réplica de um conjunto de dormitório antigo com duas camas iguais, mesa de cabeceira e penteadeira com acabamento em madeira parquet.
Banco plataforma Nelson com almofada de assento posicionada na metade esquerda do banco, junto a um telefone de disco e um cinzeiro posicionados do lado direito.

Os admiradores do design de meados do século podem se surpreender ao saber que a Herman Miller não começou fazendo móveis modernos e nem George Nelson começou projetando-os. Quando o designer Gilbert Rohde (1894-1944) se apresentou ao presidente da empresa, D.J. De Pree, em um showroom em Grand Rapids no verão de 1930, a Grande Depressão ameaçava afundar tanto a indústria de móveis de Michigan quanto a própria empresa. A Herman Miller já havia desfrutado de um período contínuo de sucesso vendendo conjuntos de móveis para consumidores de classe média. Esses móveis vinham em uma variedade de designs de época que conferiam um aspecto antigo a uma casa totalmente nova. Os designers internos da empresa estudavam catálogos de móveis antigos em busca de ideias formais e produziam novos conjuntos de jantar ou dormitório nos estilos Hepplewhite, Queen Anne ou Chippendale.

Mas o que Rohde disse a De Pree durante a reunião inicial sugeria que a Grande Depressão talvez não fosse o pior de seus problemas. Cheio de entusiasmo pela Bauhaus e pelos designers modernos que estavam reconstruindo a Europa devastada pela guerra, Rohde explicou que os conjuntos de móveis de inspiração histórica eram coisa do passado, e não porque Hepplewhite estava saindo de moda. Pelo contrário, era o próprio conceito de “conjunto de móveis” que estava se tornando obsoleto. Ninguém mais está se mudando para uma mansão vitoriana caindo aos pedaços, ele explicou, e ninguém quer tirar o pó de entalhes rebuscados ou de pedaços de cristal pendurados. Ele previa que o mercado de móveis acessíveis e de alta qualidade seria dominado por pessoas que moravam em casas recém-construídas e de escala modesta ou em apartamentos urbanos compactos. A chave para conquistar a sua lealdade, então, seria flexibilidade e modularidade: famílias diferentes precisariam de várias peças ou talvez apenas uma e buscariam opções para personalizar sua sala de estar ao longo do tempo conforme suas necessidades mudassem.

Assim como Rohde, George Nelson estava sintonizado com o panorama geral do design americano e entendia intuitivamente que o mercado moldava e refletia as mudanças de atitudes, tecnologias e ritmos da vida moderna.

Folheto promocional da Herman Miller com ilustrações em preto e branco de réplicas de móveis antigos junto a móveis modernos. O texto defende o design moderno.
Folheto promocional da Herman Miller com ilustrações em preto e branco de réplicas de móveis antigos junto a móveis modernos. O texto defende o design moderno.
Folheto promocional da Herman Miller com ilustrações em preto e branco de réplicas de móveis antigos junto a móveis modernos. O texto defende o design moderno.

Uma história do mobiliário contemporâneo desde os tempos pré-históricos até a era pós-guerra por Gilbert Rohde, ilustrado por Peggy Ann Mack, 1942.

Dado o que sabemos hoje, a decisão de De Pree de contratar Rohde e seguir seu conselho agora parece uma premonição que beirou a feitiçaria. Não só Rohde estava certo sobre a cultura do consumidor da década de 1930 (na escala limitada que a Grande Depressão permitia), mas ele também presagiou o boom na construção civil e na cultura de consumo no pós-guerra em que a Herman Miller se tornaria sinônimo de um estilo de vida moderno, alegre e sofisticado. Quando Rohde morreu repentinamente aos 50 anos em 1944, De Pee precisava de uma nova mente de design, e ele não a encontrou em um showroom, mas nas páginas de uma revista. Assim como Rohde, George Nelson estava sintonizado com o panorama geral do design americano e entendia intuitivamente que o mercado moldava e refletia as mudanças de atitudes, tecnologias e ritmos da vida moderna.

Formado em arquitetura, Nelson trabalhou inicialmente como escritor e crítico da Fortune e como editor da Architectural Forum ao longo dos anos 1930 e início dos anos 40. Ambos os títulos faziam parte da constelação da editora Time Inc., de Henry Luce, e juntos formavam algo como um think tank informal para o design contemporâneo enquanto Nelson estava envolvido. Foi na Time, Inc., e não em um estúdio de design, que Nelson trabalhou de forma discreta em um projeto para o desenvolvimento do pós-guerra que eventualmente o levaria para a Herman Miller.

Páginas de revista exibindo um texto introdutório à parede de armazenagem Nelson com três imagens de uma mulher em frente a uma parede de armários e um modelo dos componentes de armazenagem do sistema.

A Parede de armazenagem destaque na revista Life de 22 de janeiro de 1945.

Nelson trabalhou no que chamou de “ideias para casa” para a LIFE e a Architectural Forum, e uma das inovações que surgiram desse projeto fez sucesso na capa da LIFE em 1944: a Parede de armazenagem. Com as mãos nos quadris e uma expressão resignada, uma mulher loira elegantemente vestida e de salto alto observa uma pilha de objetos. As portas da Wall Storage estão abertas e esperam a mulher resolver o seu dilema. Mas no chão não estão amontoados quaisquer itens: são objetos muito característicos da vida da classe média no pós-guerra, ou seja, artigos de lazer.

Como Rohde antes dele, Nelson entendeu que a cultura de consumo em expansão nos Estados Unidos havia criado um novo território para o lar moderno. O trabalho racional e o horário comercial proporcionavam às pessoas mais tempo de lazer e cada vez mais renda disponível. Tempo de lazer era sinônimo de brinquedos, jogos, livros, televisores, rádios, raquetes de tênis e todas as coisas efêmeras que encaravam a esposa e mãe sobrecarregada posando com a Parede de armazenagem Nelson na capa da LIFE. O artigo da revista apresentou aos leitores uma família hipotética de Nova Jersey com crianças pequenas que podiam passar o tempo perto da Parede de armazenagem jogando, lendo livros, ouvindo música e pagando contas, tudo na mesma sala. (Pode-se argumentar que todas as salas de estar típicas do século 21 que possuem uma grande parede aberta de prateleiras cheias de tecnologia, livros, arte e plantas receberam inspiração de George Nelson.)

O móvel podia ser o que o consumidor precisasse que fosse, e quando chegasse companhia, poderia ser outra coisa.

A inovadora Parede de armazenagem incentivou D. J. De Pree a entrar em contato com Nelson em 1944. Ele sabia que os antiquados “gabinetes” estavam ficando ultrapassados e agora tinha visto algo que poderia aperfeiçoá-los de maneira plausível. Em 1948, Nelson estava escrevendo o capítulo introdutório do seu primeiro catálogo como diretor de design na Herman Miller. E a ironia é que um dos motivos que levaram o Banco Plataforma à fama foi seu elegante papel como base de apoio para os próprios gabinetes de Nelson. Embora a primeira coleção oficial de Nelson para a Herman Miller tenha estreado em 1948, Nelson concebeu o banco, usando-o como uma plataforma, literalmente, para a série Basic Cabinet, que tem suas raízes conceituais na Parede de armazenagem. Em vez de conceber sua coleção em termos de conjunto ou jogos, Nelson tratou os móveis de gabinete como um grupo de elementos escaláveis que poderiam funcionar juntos de maneira inspiradora.

Ilustrações de peças de mobiliário, incluindo itens da série Basic Cabinet, entremeadas a um texto promocional que descreve a primeira coleção de George Nelson para a Herman Miller.

Propaganda da Herman Miller criada por Irving Harper, 1947.

Representações gráficas em vermelho, preto e cinza de diversas combinações da série Nelson Basic Cabinet em torno de um texto promocional que serpenteia pelo anúncio.

Propaganda da Herman Miller criada por Irving Harper, 1952.

O banco está apoiado em duas pernas fortes em forma de U, e a superfície é feita de ripas de madeira maciça com acabamento claro. Logo viria o Banco de Vime Nelson, mais confortável e esteticamente mais acolhedor que seu antecessor de ripas de madeira, em 1952. Mas, no original, nada é irrelevante; cada elemento tem uma função. Os gabinetes que podiam ficar em cima do banco eram diversos: toca-discos, penteadeiras iluminadas e prateleiras que podiam ser elegantemente alojadas dentro dessas novas peças de armazenamento. O próprio banco foi descrito no catálogo de 1948 como “essencialmente uma base elevada para gabinetes rasos e profundos, [que poderia] servir também como uma mesa baixa para assentos extra”.

Um gabinete de alto-falante da série Nelson Basic Cabinet em uma sala de estar com um Banco de Vime Nelson usado como mesa de centro posicionado em frente a um sofá parcialmente visível.

O Banco de Vime foi projetado para espaços residenciais e, semelhante ao Banco Plataforma, foi usado como assento, mesa e para armazenagem. Muitas vezes, era usado em conjunto com os gabinetes do Rosewood Group de Nelson (mais tarde chamado de Thin Edge Group) com o mesmo acabamento. Aqui o combo clássico é apresentado em 1956.

Desenho do projeto do Banco de Vime Nelson com marcas escritas à mão indicando o número do produto, medidas e notas sobre materiais.

Desenho original do Banco de Vime do Nelson Office, por volta de 1952.

Os anúncios impressos que exibiam o banco nos anos seguintes (ele esteve em produção até 1967, e foi reintroduzido em 1994) demonstram a sua versatilidade doméstica: como suporte para uma estante e uma planta (1954), um aparelho de televisão (1956), e a base para um sofá estofado (1960). O móvel podia ser o que o consumidor precisasse que fosse, e quando chegasse companhia, poderia ser outra coisa.

Em seu catálogo de 1948, Nelson escreve sobre seu antecessor: “O produto deve ser honesto. A Herman Miller parou a produção de reproduções históricas há quase 12 anos, porque o seu designer, Gilbert Rohde, convenceu a gestão de que a imitação de designs tradicionais não era esteticamente sincera. (Não acreditei nessa história quando a ouvi pela primeira vez, mas depois da minha experiência dos últimos anos, sei que é verdade.)”

Anúncio com gráficos arrojados em cinza e vermelho na forma do assento do banco Nelson, à esquerda de um texto promocional e uma imagem de um banco Nelson em ângulo apoiando pequenos objetos decorativos.

Propaganda da Herman Miller criada por Irving Harper, 1950.

Dois bancos plataforma Nelson lado a lado apoiando duas estantes de livros, uma delas com um gabinete de alto-falante.

Bancos nº 4691 e 4992 com caixas fonográficas nº 4710, 4711 e 4743 da série Basic Cabinet projetada por George Nelson, 1952.

Rohde e Nelson não foram grandes defensores da estética vitoriana, mas o que Nelson está reproduzindo aqui, pelo menos em princípio, está entre os fundamentos do movimento Arts & Crafts. Mais do que uma obsessão por imagens medievais ou pelo visual rústico de móveis de carvalho, os idealizadores e fabricantes do movimento Arts & Crafts responderam a um excesso de imitações que inundavam o mercado no século 19, com o simples apelo de que as coisas deveriam parecer o que realmente são. O grito de guerra da Bauhaus da “verdade dos materiais” daria a esse conceito uma reformulação moderna, mas com a mesma ideia: deixar os materiais e as técnicas falarem por si. Não imite um produto mais sofisticado ou tente fazer algo de má qualidade passar por outra coisa.

Esse ethos é uma maneira apropriada de pensar sobre o Banco Plataforma, que é totalmente honesto sobre sua construção e material, mas também é fiel à forma em que Nelson aborda o design de forma clara. Em vez de construir “casas dos sonhos” ou projetos impecáveis, ele queria, acima de tudo, encontrar soluções inovadoras que ajudassem as pessoas a aproveitarem ao máximo a forma como realmente viviam.

Da prateleira para o mundo

George Nelson acabaria por tecer as ideias acumuladas da sua carreira na Time, Inc. em Tomorrow's House (A Casa do Futuro, em tradução livre), um livro que ele escreveu em coautoria com Henry Wright e que entraria na lista de best-sellers do New York Times em 1945. Fazendo alusão à irônica crítica doméstica de “Lar, Meu Tormento”, de Eric Hodgins, Nelson e Wright foram rápidos em desafiar os americanos que “dirigem para o trabalho no carro do ano, mas que continuam pensando que uma casa de campo em Cape Cod é o lar ideal.” As casas coloniais foram simplesmente projetadas por e para pessoas que viviam com uma tecnologia, preocupações e aspirações que estavam 200 anos desatualizadas. O que significa que a moda do Revival Colonial na década de 1940 não fazia sentido; não porque seus tetos baixos, patos de cerâmica ou pintura em azul-antigo estivessem fora de moda, mas porque as proporções e os layouts dessas casas estavam desatualizados.

Capa e contracapa do livro Tomorrow's House com o título, autor e sumário em preto, posicionados em um plano de fundo amarelo irregular com fotos em preto e branco de casas modernistas.

Em vez de defender um estilo particular, ou até mesmo uma decoração mais discreta – praticamente uma regra de ouro entre os modernistas mais devotos – Nelson e Wright usaram o livro Tomorrow's House para dar permissão aos leitores americanos para que admitissem que tinham necessidades e possuíam coisas diferentes dos seus antepassados. Em vez de ir de cômodo em cômodo como um guia de decoração tradicional, o livro é organizado de acordo com atividades, de comer e dormir a brincar e estudar, com um modo intergeracional de convivência desestruturada que parecia adequado para um novo lugar que eles chamaram de “espaço da família”.

Reapresentação do Banco de Vime Nelson

Compre o primo do Banco Plataforma Nelson original de 1952

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