Almas Gêmeas

Rolf e Mette Hay, cofundadores da HAY, canalizam a força criativa de Charles e Ray Eames em uma visita a Los Angeles para mergulhar no universo Eames.


Story by: Kelsey Keith

Fotografia por: Jake Stangel, para Herman Miller.
Cortesia da Eames Foundation

Vários anos atrás, Herman Miller se aproximou de Rolf e Mette Hay, cofundadores da casa de design dinamarquês HAY, levando consigo uma provocação: o que as duas empresas de design poderiam fazer juntas que seriam incapazes de criar sozinhas? A resposta: dar um sopro de renovação aos móveis criados originalmente por Ray e Charles Eames.

Para Mette Hay, o desafio foi ao mesmo tempo inspirador e assustador: “Recorri aos arquivos em busca de algo que pudesse me dar uma direção a seguir. No início achei que seria uma tarefa quase impossível... Mas pior ainda seria perder essa oportunidade. Sentia que era pedir demais mudar algo já tão impecável”, recorda-se.

“Mas, então, eu me lembrei de um tecido incrível de Alexander Girard chamado Jacob’s Coat, uma mistura de rosa, laranja e turquesa, que vi anos atrás com Tony Manzari e Mary Murphy no estúdio de design Maharam. Fiquei ali pensando: 'Por que mesmo isto aqui não está sendo produzido? Eu amei!'. Pouco tempo depois, vi um Sofa Compact no mesmo tecido em um acervo, e isso nos serviu de inspiração para criar uma ligação das cores com a Eames Shell Chair. Então bastou adicionarmos as cores da paleta da HAY para chegarmos ao que temos hoje em dia.”

“Sentia que era pedir demais mudar algo já tão impecável.” — Mette Hay

A coleção que resultou dessa união – oito peças com design Eames e um olhar renovado do casal Hay – transformou-se em realidade após anos de reflexões, pesquisas e testes. Além da expansão da paleta de cores, os materiais selecionados pela HAY ganham eco no respeito pela experimentação, algo inerente a todo e qualquer design Eames: o Eames Hang-It-All, com bolas de vidro fundido no lugar da madeira pintada original, a mesa redonda para visitantes e a mesa baixa de arame com tampos de vidro fundido, que podem ser usadas em ambientes internos e externos. Hoje em dia, as Shell Chairs são feitas com 100% de plástico pós-industrial reciclado. E o Maharam produziu à risca a paleta de cores original do Jacob’s Coat, de Alexander Girard, para uma versão especial do Eames Sofa Compact.

Entre os favoritos estão as cadeiras de arame com acabamento em revestimento em pó fosco, que podem ser usadas em ambientes ao ar livre – dando continuidade à tradição das aplicações anteriores da Eames. Eames Demetrios, diretor do Eames Office e um dos cinco netos do casal Eames, menciona a Aluminum Group (1958), criada para a casa de J. Irwin Miller, na cidade norte-americana de Columbus, em Indiana, e reintroduzida por Herman Miller com acabamento para área externa em 2011. “Para mim, o melhor assento para área externa é a cadeira de arame Eames, e é esse o motivo de eu estar tão animado com nossa colaboração”, comemora. “Dá para lavar com mangueira! Sem contar que é mais em conta que a Aluminum Group e mais fácil de levar de um lugar para o outro.”

Rolf e Mette apontam para algo incomum no alto da escadaria da Eames House, fora do alcance dos nossos olhos.

Detalhe da inconfundível estante, um dos destaques centrais da sala de estar de pé-direito duplo da Eames House, que o Eames Office fabricou como protótipo exclusivo em 1958. No móvel são guardados livros consultados com frequência da biblioteca pessoal da família Eames e também lembranças de viagens. [Foto de Jake Stangel para Herman Miller. Cortesia da Eames Foundation.]

Pulando para 2022: Mette e Rolf Hay viajam de Copenhague para Los Angeles para conhecer a casa da família Eames em Pacific Palisades, em um penhasco ladeado de eucaliptos com vista para o Oceano Pacífico. A casa, finalizada em 1949 como Nº 8 em uma série de protótipos modernos e influentes conhecidos como “Case Study Houses”, é peça fundamental para entender a abordagem Eames ao design: experimentação, convívio, incorporação a um universo de influências em constante expansão.

Enquanto Mette e Rolf fazem o tour privilegiado da residência e do estúdio sob a direção de Lucia Atwood, diretora da Eames Foundation e também neta do casal Eames, e com o irmão dela, Eames (Demetrios), eles conversam sobre as origens da Herman Miller x HAY Collection. Leia a seguir as memórias mais antigas de Eames e como os dois casais convivem com objetos, como é a parceria no design e como a cultura como um todo lhes serve de inspiração.

À esquerda, detalhe da entrada para a famosa Eames House, localizada em um penhasco com vista para o bairro de Pacific Palisades, em Los Angeles. A casa, que Charles e Ray Eames desenharam em 1949, também é conhecida como Case Study House Nº 8. À direita, perspectiva da entrada na sala de estar com pé-direito duplo, mostrando o piso frio na cor branca, trocado em 2012 como parte da primeira fase de obras do Projeto 250 Year da Eames Foundation.

Sobre o aprendizado com o Eames Office

De certa forma, a semente da colaboração foi plantada há mais de 20 anos, bem antes de a HAY ter se unido ao Herman Miller Group (agora MillerKnoll). Rolf conta: “Quando comecei a trabalhar nesse setor, fui a uma exposição do Eames no Vitra Design Museum. Essa exposição mudou muito a forma como eu via o design.”

Leitor voraz, Rolf já havia estudado design clássico da Dinamarca das décadas de 1950 e 1960: Børge Mogenson, Arne Jacobsen, Finn Juhl, Hans Wegner. Esses renomados dinamarqueses pegaram um complexo entendimento de madeira e marcenaria e traduziram essa habilidade para uma nova era em que a oficina e a fábrica se uniram em uma só. “A diferença com relação aos Eames era que eles eram voltados para a criação do design para as massas, não para poucos. Novas tecnologias e produção eficiente de materiais como compensado e, posteriormente, fibra de vidro, permitiram aproveitar ao máximo as possibilidades da época”, explica Rolf.

À esquerda, Eames Shell Chairs, de design vintage, empilhadas no estúdio mantido dentro do Eames Office. “É difícil entender como as cores eram originalmente”, observa Rolf Hay. “Nem sempre elas se traduzem bem nas fotos.” À direita, o casal Hay fala sobre as origens da colaboração Herman Miller x HAY Collection.

“Percebo que Rolf e Mette têm em comum com o casal Eames a verdadeira disposição de abraçar os desafios de logística, materiais e sistemas como parte essencial do processo de design.”—Eames Demetrios

Essa exposição no Vitra em 1997 (que antecede o ponto em que ele e Mette decidiram seguir o próprio caminho com uma empresa que colocaria o design dinamarquês onde está hoje em dia) fez Rolf começar a pensar no espírito Eames. E Mette confirma: “Charles e Ray Eames foram nossa maior inspiração, especialmente na forma como usavam cores e se permitiam experimentar. E eles se divertiam! Diversas empresas de móveis da Dinamarca falam sobre quantas horas demora para criar uma cadeira. Na HAY, nosso princípio é a inovação.”

Eames comenta, reconhecendo a afinidade do casal Hay com os avós. “São várias as conexões: a primeira é a grande alegria e o prazer com as cores e o potencial de elas fazerem parte do design. A segunda é, naturalmente, a fascinante jornada deles como casal com um olhar unificado no design. Por fim, é preciso pensar no aspecto empresarial dos dois casais, que não é tão amplamente reconhecido no caso dos Eames.”

Sobre a convivência com objetos

Lucia explica como o conteúdo da casa que dividiram exemplifica os valores que o casal tinha com relação ao design: “Ambos se preocupavam com a apresentação da casa, desde o conforto para os visitantes até a circulação natural de quem mora e trabalha nela. Como disse a própria Ray: ‘Quase tudo que colecionamos existe aqui somente como exemplo de alguma faceta do design e da forma. Nunca colecionamos nada somente por colecionar, mas porque havia algo inerente à peça que fazia com que parecesse uma boa ideia ficar olhando para ela.’”

Lucia Atwood, neta do casal Eames e diretora da Eames Foundation – a entidade que comanda a Eames House e sua permanente preservação – na foto com Rolf e Mette Hay em sua primeira visita à casa.

Rolf adota uma direção parecida com os produtos da HAY na casa que divide com Mette na Dinamarca. “Vale pegar um novo protótipo da fábrica e colocá-lo em ambiente real”, explica. “Algo acontece quando você não é forçado a olhar para o objeto. Do que essa cadeira é capaz? Ou será que você não vai mais suportar olhar para ela depois de algumas semanas? Você trabalha com muito afinco em algo, deixa essa coisa em casa por algumas semanas, aprende alguma coisa nesse processo e reaplica esse aprendizado ao projeto.”

Aliás, o casal Hay, que há tempos coloca a tradicionalíssima Eames Molded Plywood Chair entre suas cadeiras favoritas, guarda na sala de casa um dos primeiros protótipos da versão verde-floresta que projetou para a Herman Miller x HAY Collection.

Sobre ganhar inspiração com a cultura como um todo

Charles e Ray são famosos por terem colaborado com os maiores gênios da intelectualidade e criatividade de sua época. Basta dar uma olhada nos itinerários de viagem personalizados da dupla – todos meticulosamente digitados em pergaminho e cortados para caber no caderno de endereços da Ray – e você verá uma profusão de pesos-pesados culturais, de Saul Steinberg a Alexander Girard e Billy Wilder.

Da mesma forma, os fundadores da HAY se cercam de um círculo criativo e social que se sobrepõe generosamente com os produtos que eles colocam no mundo. “Arquitetura e cultura e arte e inovação e produção: todos esses são assuntos que você traz para dentro de um projeto”, explica Rolf. Entre as recentes colaborações estão peças para mesa feitas junto com a food artist Laila Gohar, um tabuleiro de xadrez com a designer gráfica Clara von Zweigbergk e a reintrodução das cadeiras e mesas clássicas – e cult – de 1971 do minimalista suíço Bruno Rey. Mette explica: “É um processo muito mais holístico, não existe inspiração em uma única coisa.”

Mette Hay para por um instante para contemplar o pátio de trás da Eames House.

Quando se pensa sobre o Eames Office, vêm à mente os projetos amplamente multifacetados que assumem: uma história de matemática, filmes experimentais, trilhas sonoras, discursos, pôsteres, maquetes, jogos e brinquedos, além de um vasto arquivo documentando projetos únicos no estúdio, correspondências, fotografia de documentário e muito mais. Conforme mencionado por Daniel Ostroff na obra “The Eames Anthology”, Bill Lacy, sócio de Eames, descreveu o estilo como “não estilo”: “somente um amontoado de problemas belamente resolvidos com inteligência.”

Tanto Lucia quanto Eames, que passaram tempo com Charles e Ray na infância e também quando jovens adultos, relembram como o casal não se interessava em presentear os netos com histórias dos sucessos do passado; eles preferiam fazer perguntas sobre o que era atraente e culturalmente relevante para os jovens. Essa curiosidade manteve o Eames Office à frente do que havia de mais moderno em termos de design, uma indústria em que mudanças significativas acontecem ao longo de décadas, não temporadas.

O casal Hay também tende a pensar no que está por vir, em vez de sistematizar o que já fizeram. “Muitas vezes temos essa conversa: isto aqui tem mesmo a cara da HAY? Bem, é HAY se você se sentir bem!”, diverte-se Rolf. “Não vejo problema nenhum em mudar de direção. Não quero que a HAY seja rigorosa ou rígida demais com relação ao que podemos ou não podemos fazer. Quero estar aberto e preparado para abordar o design de novos ângulos.”

“Se eu analisar todo o portfólio de design Eames, não há nada de que eu não goste. Há sempre um conceito claro, não há nada que eu não seja capaz de entender.” — Rolf Hay

Sobre design em parceria

Por fim, mas sem dúvida não menos importante, vem o relacionamento, que está no coração da crença Eames. É natural que exista a tendência de apurar quem fez o quê – dar o crédito a um parceiro pelo design do móvel, a outro pelas paletas de cores; premiar um parceiro pelas apresentações de sucesso ao cliente, o outro por manter uma correspondência saudável com amigos e colegas. Mas Charles e Ray eram iguais. (Outra anedota da obra de Ostroff: “Em um discurso [de 1952] (…) Charles explicou que Ray preferia trabalhar sob o “nome da marca”. Ele também menciona que vários textos formalmente atribuídos a Charles “haviam sido escritos à mão por Ray, na forma de primeiros rascunhos.”)

Lucia comenta sobre o relacionamento dos avós: “Às vezes as pessoas têm dificuldade de entender como duas pessoas criativas conseguem trabalhar juntas – e que o processo melhora o resultado. Eu adorei ver o pingue-pongue acelerado no Eames Office enquanto eles ponderavam qual seria o próximo passo. Respeito e confiança à toda prova. A satisfação dos dois ao tomarem uma decisão os enchia de inspiração e alegria.” Esse processo é, sem dúvida, um debate com grandes chances fricção, e o efeito exponencial de duas mentes atacando o mesmo problema de diferentes pontos de vista. Mas há um alinhamento filosófico aí também.

Nas palavras de Rolf: “Quando você trabalha em casal, o presente vem sem embrulho. Pensa-se menos em como apresentar a ideia e mais no que está dentro da caixa.” E ele saberia. Ainda que o casal Hay administre a HAY de um jeito um pouco diferente que o pequeno (mas poderoso) Eames Office de meados do século passado, há uma honestidade parecida em voga. “O que é extremamente importante para Mette e para mim é podermos dar nossa opinião sem medo.”

Rolf Hay olhando através de uma lente colocada sobre uma porta de vidro na cozinha da casa – um repositório das coleções de Ray Eames relacionadas ao amor que ela tinha pelo entretenimento. O sistema Truscon produzido em série que Charles e Ray usaram para construir a Eames House não oferecia portas deslizantes, então a equipe do Office pegou uma janela e a converteu, adicionando rodas, trilho e alça. A lente não é original do design de 1949, mas está no mesmo passo das explorações de Eames das percepções no filme (Kaleidoscope), na casa (prismas) e no Eames Office, em 901 Washington (espelhos de circo).